espelho meu, haverá alguém que ame mais do que eu?

sinto a tua pele marcada de encontro aos meus lábios rachados do frio, sinto a garganta gelar numa inspiração desse teu ar carregado de podres deles, podres de tudo o que pelo caminho apanhas. quiçá, um dia talvez respirar se torne bom, quiçá talvez um dia o espelho seja um bocadinho mais simpático com os elogios. talvez um dia ainda seja eu a princesa, sobre a qual se escreverão livros e se farão filmes de desenhos animados, que dirá ao espelho: "espelho meu espelho meu, haverá alguém que ame mais do que eu." tomara tu. tomara eu.
sinto as curvas do meu corpo arrepiadas, pouco confortável com a ideia da tua presença em tais lençóis. pensar em ti há muito que deixou de ser abrigo, como sonho para adormecer, que era sonho e fantasia ainda que acordada. ficar em ti, dentro deixou de seu o meu predilecto repouso, aquele que era primordial na minha existência patética que por altruísmo apaixonado, sempre girou a volto do rei que tens na barriga.
custa pensar que - com o pensar dos tempos - o teu perfume deixou de me ser álcool no sangue, e só de recordar o cheiro dos teus contornos marcados a ferro nas minhas roupas largas, dá-me vontade de pegar fogo ao armário (se bem que, nos dias de hoje, há pouca coisa a que não queira pegar fogo). tudo porque até sem me desnudar conseguia estar na tua presença, conseguia desfrutar do silêncio da tua respiração na escuridão de um quarto esfumaçado de nós. tudo porque o teu peito era como porto de abrigo, que não precisavas de despir para me sentir encontrada, bastava-me (e bastou-me por muito tempo) ter-te ali, a inspirar e expirar sobre as minhas ideias aluadas. sobre os meus pensamentos eróticos ou não, que me fazia ronronar junto do teu umbigo esculpido na perfeição de qualquer dos teus deuses.

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