derrame vazio, completamente morto.

hoje, logo hoje que toda esta raiva me enche o peito vazio. hoje a poligamia morreu nos meus lençóis porcos, morreu nua, de cigarro na mão e linha ainda torta, morreu sedente, completamente insaciável, porque nenhum alguém a fazia gemer do jeito que mais gostava. a poligamia morreu - como sempre - sozinha, sem padre à cabeceira, apenas uma garrafa quase vazia de aguardente velha, um tanto ou quanto entornada. e o erotismo morreu assim, quase tão virgem como a freira, sem conseguir reter na memória morta algo de bom para guardar, um gemido apenas, um cliente apenas que tivesse valido a memória. mas não, esta puta morreu-me assim, sozinha, sem ter tido tempo para me alinhar a branca, morreu-me doente, tão podre no físico como na alma. sozinha, repito: sozinha.
e a consciência, calada desde que sou capaz de recordar apenas tossia. cínica, ficou calada anos a fio, viu-me morrer em bebedeiras sóbrias dos outros, viu-me foder a vida mais do que acreditava que ela pudesse vir a foder-me. cínica, repito-me, hipócrita por achar que o vinho também vira água quando assim é preciso. burra, nada é mais burro do que uma puta apaixonada. burra, porque embora tão intelectual para umas coisas, foi-me morrer de tal doença: o amor. que pior doença haverá para uma puta se não a mesma que cura todos os outros?
e que me sobra a mim? criança desnaturada e abandonada assim ao deus dará, sem puta que se venda, sem corpo que se foda, sem alma que se aprovei-te. o melhor é deixar-me ficar aqui, morta por ter perdido tudo o que me deste e assassinada pela culpa de não poder culpar outro alguém. foi o que te disse: "nunca tive tanta raiva dos outros, sendo a culpa tão minha", nunca, nunca na minha vida me senti tão humanamente frustrada por cair nesses tão repetidos erros, esses que toda a humanidade caiu por tanto ir atrás das outras ovelhas. e eu estou a morrer assim, atrás do rebanho, doente pelos outros e por mim. sem pele, sem corpo, sem alma.

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