"Também em francês trocava as palavras, mas o seu chofer Augusto não só a compreendia, como lhe respondia com palavras ainda mais embaralhadas. Ela o chamava de Eulalie, e ele, com avançada esclerose, atendia à vontade pelo nome do antigo patrão. E sentava-se com ela no sofá, dava-lhe o braço no jardim, permitia-se chama-la simplesmente pelo pronome, também afrancesado para Maria Violette. Quando Augusto morreu na cama dela, usando um pijama com o monograma do meu pai, mamae enviuvou de novo, de um luto mais profundo que o primeiro. E agora já não falava língua alguma, não se locomovia, nem sequer chorava, me enternecia assisti-la assim, com uma tristeza enfim cristalizada." Chico Buarque em Leite Derramado
há um ano com a estrela mais bonita do céu
Foi no intervalo da paixão dos meus dias que tive saudades de te ver ficar. Quis ajoelhar-me sobre aquela terra cheia de mortos, afogada em símbolos religiosos nos quais não conseguia acreditar. Quis deixar-me ali junto daquela arreia, mais perto de ti ainda que longe, onde sei que apenas o teu corpo descansa, imóvel e exangue, sob a crença à qual dedicaste a vida. Quis agarrar-te a mão, o peito, sem que isso te enchesse de dores, sem que isso te enchesse de coisa alguma. Quis que aquele espaço coberto de cadáveres conservasse o teu sorriso doce e excêntrico, aquele que a tua morte e a tua fraqueza levaram para bem longe de mim. Quis que, naquela campa com um mármore lindo, estivesse apenas o teu nome e nenhum outro, nenhum outro amor teu que a vida não me deixou conhecer. Desejei, com lágrimas a ferver-me as faces, que aquele jarro pregado à pedra não estivesse cheio de falsa flores e que as minhas - modestas, imperfeitas, apa...
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