- Eu pedi-te em casamento no dia em que me deste o teu manuscrito, agora é altura de o devolver. Não posso amar-te mais, consigo e quero mas não posso. Fartei-me de fingir que estava tudo bem, que tu não me vias como eu me via, fartei-me de perceber que eras surdo e cego por vontade. Enjoei de chegar a casa sem o teu cheiro e sem o meu, encharcada num outro perfume qualquer, de outro qualquer que não tu. Cansei-me de inventar desculpas como noites no escritório ou jantares com as amigas. Eu amo-te, todos os dias em que te menti te amei, todos os dias em que pensei que era mais fácil assim, que pensei que nunca ias sentir-me os dentes, as unhas, as facas que te espetava no peito, com uma delicadeza extrema, como um gato que espeta as unhas enquanto ronrona no colo do dono. Eu era assim para ti, nunca me cansado de te furar a pele enquanto ronronava, pensando que - tal como me tinhas dito um dia - mais valia ficar calada do que magoar-te, enganando-me nessa tua ideia de que a suposta monogamia é mais importante que a sinceridade. Enganei-me. Enganaste-me na ideia de que mentir era mais fácil do que terminar na verdade, e espero que isso seja assim para ti, porque para mim não resultou. Demorei um ano a entender que não podia mais viver nesta mentira, um ano demorei eu a entender que não podia continuar a amar-te quando não te desejava, quando não me satisfazias as arestas, os contornos, os romances. E eu achei que, se nada daquilo tinha algum significado, isto ia sempre ficar ao de cima, o nosso amor ia ficar ao de cima. Mas tu afundaste. E ainda assim te digo que te amo tanto ou mais do que no primeiro dia, mas não estou disposta a fingir que mentir é mais fácil do que magoar, perdoa-me o egoísmo, mas eu tenho uma nó enorme no coração à pala a tua teoria de merda sobre casais felizes e mentiras perfeitas. Por isso, ou me aceitas agora, com toda a sinceridade que te ofereci de bandeja, ou me deixas porque não aguentei mentir-te.
- Sai já da minha casa.
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