derrame do inverno que em mim criaste

O congelamento do músculo é afinal o mesmo em todos, a dor debilitante que te faz querer vomitar e comer ao mesmo tempo é imutável, exactamente a mesma. É como uma mulher rabugenta com dores menstruais, tal e qual. De noite, quando o sangue insiste em gelar as veias e o peito ficar rijo, erecto do sangue perdido, que vai bombeando nas artérias mas que não volta nas veias gélidas neste inverno precoce, nestas noites em que me acordas ainda sonhando, nas noites em que não me sonhas. E os dedos dos pés tremer e o sangue não sobe, não circula, concentrando-se apenas no cérebro, ligado a toda a hora, sem descansar um minuto que seja, agora independente de todos esses sensores, independente de qualquer órgão sem ser ele mesmo. E o cérebro dita-me apenas a razão e nada mais, em todas as zonas sensíveis ao exterior o cérebro morre enxague, desliga, congela, deixando-me apenas com uma razão de visão apurada, olfacto preciso, mas que nada recebe de volta, nada sente de volta nos sensores agora desligados àquilo que ao coração importa, àquilo que o miocárdio não vê mas sente, que o faz contrair e distender ao ferver de amores. Soubesse a minha racionalidade - não cega mas casmurra - mandar a baixo a muralha e deixar entrar todos esses parasitas, esses que desactivam a visão, que fazem ferver o sangue que a razão congela, parasitas esses que fazem crescer borboletas que comem o estômago todo, órgão esse que deixou de querer comer quando todo o seu volume se tornou numa enorme massa de gelo, indolor e - por hábito - incapaz de derreter de novo.

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