Derrames de quem vai ter saudade
Da lúcida certeza de que somos grandes à efémera sensação da efervescência daquilo que não sei se existe. Somos cada vez menos a um compasso desmedido que se perde e se desapaixona enquanto se arrasta ao longo de uma sombra que não escurece por mais que a luz falte e incida. Somam-se dias que de nada me servem, somando dias que se perdem, desenganando-nos de que ainda somos dois, roubando-nos a verdade para a mentira fazer crescer dores no peito que não se desprende deste vermelho que não me larga. Esgotaram-se, assim, os segundos, os momentos em que nos amámos no sol de tardes que já não existem e nos cariciamos na efemeridade de vidas que já não temos e que já não são nossas. E o que foi embora? Perguntas tu tentando-me as lágrimas nos olhos que só choram raivas de palavras que não quero gritar-te, perguntas porque não fiquei à tua espera, porque guardo um rancor incansável das coisas que não me dizes, das coisas das quais não faço parte. Queres que diga a verdade? Queres que te rasgue o peito agora que aqueceste o meu? Aqui está, está sou eu sem que lágrima queira cair, com rios nos olhos mas gelo na alma. Esta sou eu, a ir embora deixando-te a certeza de que não consigo mais olhar-te, deixo-te com a frieza de que não sou capaz de me dar sem ter. Esta sou eu, a ir-me embora e a deixar-te ficar ainda no meu peito gélido e morto.
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