Carpe diem
Era dia-não. Dia de dizer que não de vez, era dia de abrir os olhos e chorar de cara lavada. A tua voz tremia, do outro lado promessas fazias e as tuas palavras trocavam-se nos medos. A minha voz não tremeu nesse dia, não dizia ainda não mas não dizia de todo sim. O teu choro pedia uma resposta, os teus olhos de cachorro pediam-me que ficasse, conhecia-os tão bem, de tantos anos, a necessidade de segurança que afinal era superior à minha, a necessidade de futuro tão superior à minha vontade de comer o presente.
Era esse o nosso destino, realidade apontadas a objetivos diferentes, ambos encostados a passados que não se cruzaram ou se entenderam.
Tudo na minha vida era baseado num passado perto, usava-o como desculpa para a necessidade de ver tudo tão efémero, a necessidade de querer um presente a cima de um futuro incerto. A preciosidade que era para mim o momento e não a esperança do amanhã. A vida um dom; o sexo uma brincadeira de mau gosto; o amor água de lavar cacos.
Tudo para ti se encosta em promessas feitas para outros, buscas desesperadas em mim por alguém que não está aqui, que não está em mim, que não sou eu. A necessidade de ambições que tiveste anteriormente, sonhos que não eram meus e em que fui segunda hipótese. Uma necessidade de um futuro assegurado por mais que o presente se desfaça em lama por entre os teus dedos. A preciosidade que é para ti o futuro que desejas e o passado que recordas constantemente. A necessidade de ter os olhos postos fora daqui, os olhos lavados e longe daquilo que para ti é pecado. A vida um caminho - necessária e obrigatoriamente - seguro e alegre; o sexo movimento que não se justifica quando tens no peito algo que te reconforta por não te largar de um abraço; o amor uma utopia construída anos antes, por pessoas perfeitas que não conheci e por sonhos que não me incluíam. Amor é, para ti, a vida que não tiveste.
E o não fica assim para outro dia, para outra hora, o dia-não não é o de hoje e a vontade de fugir está ainda para vir. O presente chagará para mim, eu prometo, chegará em forma pura e branca, debruçada sobre o ventre choroso e arrependido porque a vida é curta e finita. E hoje é o dia, eu sou o dia. Carpe diem.
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