Eu era uma céptica como os outros, só mais uma ex-sonhadora com o coração desfeito em mil pedaços. O meu cepticismo foi parte do que me fez unir as peças, parte do que me fez ser o que sou e ver as coisas do modo cruel que as vejo. Nunca serei uma optimista como tão poucos ou uma apaixonada como a maioria dos novos. Colar aquilo que era meu, juntar todos pedaços demorou-me bem mais do que os séculos que vivi acorrentada entre mim e os outros, demorou bem mais do que as palavras que me são conhecidas.
Sinto-me em pedaços, tudo o que sou em mil pedaços de memórias minhas. Tudo porque caí no mesmo erro cínico de tantos outros, uma optimista e sonhadora em relação à vida, em relação à esperança inconsciente que colocamos naqueles que nos são tão irremediavelmente queridos.
Vida e morte, foda-se tiraram-me tanto!
Hoje, e em muitos outros dias como hoje, o meu coração está partido pela vergonha de ser quem sou, pela aceitação de coisas em que não acredito e pela falta de perdão que tenho aos outros e a mim mesma. O cheiro das escadas do prédio faz-me chorar de medo e nem eu sei bem a saudade que sinto, nem eu sei bem o que a saudade faz, o que uma saudade deste tamanho me faz.
Sempre acreditei que a confiança que depositamos nos outros é apenas um reflexo da que temos em nós e nisso eu falhei muitas vezes. Sei quase de cor todos os meus erros, todas as vezes que não pude confiar em mim e que deixei a meia noite levar-me onde eu achava que não queria estar. Não sou de confiança sei bem, sou flor que não se cheira e mulher que não se pede em casamento. Mas não sou também mulher que se engana, nunca serei  mais mulher que se humilha ou que se mente. Não sou mais mulher que chora, ama ou sente. Deixei que  partisses o meu coração em pedaços também, e convenci-me que não, convenci-me que era mentira, que alguém como eu não tinha medo, alguém como eu é inquebrável. Mas eu estou em cacos e nem sei localizá-los a todos, eu não sei dos meus cacos, eu não sei de mim entre os sonhos que nos planeaste e que agora não acredito, não sei mais de mim entre a pessoa que era o meu ombro e a pessoa que me disse que não o queria ser mais.

Nunca duvidei que fosses alguém que merecesse muito, alguém que merecesse o céu inteiro. Mas duvidei tal de mim, duvidei ser digna de tal honra.
Este raciocínio não me sai mais da cabeça, sei bem o quão merecemos um do outro, e sei que mereces tudo de mim, tudo o que sou e o que posso vir a ser de melhor. Mas eu mereço mais, eu mereço mais do que uma pequena parte do que és, uma pequena parte que me despreza na horas de sol e que se habitua durante a lua. Eu mereço mais, eu mereço um todo do tamanho de um céu cheio. 

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