As minhas mãos tremiam sobre aqueles lençóis num misto da melhor e pior noite da minha vida. O meu peito doía, e no fundo deste algo negro ia crescendo pouco a pouco. Não era mais quem prometera ser, fiel, incondicionalmente àquilo que se ama. Ou talvez já não amasse mais. 
As paredes estavam cobertas de sangue, o tapete ensopada naquele fluidos quente, vital e incolor que ninguém via, só eu. Ele sorria-me na ponta da cama e passava as mãos suaves sobre as minhas pernas de criança. Eu era uma criança nos seus braços, nos braços de alguém não tão mais velho que eu e que agora me pertencia como nenhum outro. E o mundo caia-me por entre os dedos, cerrados de pânico enquanto me apercebia, pouco a pouco, que aquele domingo iria assombrar me até ao fim dos meus dias. Ou não, a minha noção de consciência sempre deixara muito a desejar.
- Tens um corpo lindíssimo - não sabia ainda eu que aquela frase me assombraria sempre e que, assim que alguém pronunciasse algo semelhante, eu voltaria aquele quarto, nua em frente a alguém que não era meu. Longe de quem eu realmente pertencia.
A vida tem modos misteriosos de nos fazer pagar aquilo que lhe devemos, e era a minha vez de pagar o preço. Anos depois eu continuava uma jovem doente e deitada no mesmo pecado que me levara a pagar caro da primeira vez.
Todas as operações de que fui alvo foram um fiasco e só eu sei o que me custara cada uma. E era por isso que me encontrava ali de novo, depois de tanto tempo de reabilitação profunda. Porque a vida não podia mais vencer-me, não havia mais nada que me pudesse ainda tirar.
E ali estava eu, com uma raiva sem fim dos outros quando a culpa era só minha. E não era uma questão de hipocrisia, eu sabia que o reflexo horrorosa no espelho era o meu e eu bem o detestava nos meus piores momentos. E apesar de aquela cama representar um desses instantes de puro pânico, eu estava surpreendentemente calma a olhá-lo ainda com paixão e desejo.
Porque no fim do dia, domingo ou não, eu era a minha pessoa e não havia nada que eu amasse mais do que ser eu mesma e recair constantemente naquilo que não era meu. Abraços, lençóis, luzes e madrugadas. Eu sou o meu próprio demónio, e não ha ninguém que me faça tanto mal como eu. 
- Anda cá, uma para o caminho - disse sorrindo. 

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