derramaste-me

o sangue deixa de doer sobre as veias, dizem eles (os cientistas) que quanto mais rápido se congelar os músculos melhor é a sua conservação. sou então intemporal segundo estes padrões, o meu congelamento foi tão rápido como eficaz, nada dói, nada mata, apenas dorme. dorme a tarde a toda, o verão inteiro para uma só sesta. uma bomba relógio que nunca vai explodir no meu peito, só no teu. nunca pensei vir parar aqui, a olhar para o meu café preferido e ver que me resta uma embalagem inteira fora do prazo de validade. e a culpa foi minha, quis deixá-lo para depois, nunca o quis esgotar com medo que o melhor de mim se extinguisse. e agora? agora o prazo já passou e eu continuo a ter a mesma embalagem em exposição, sem lhe poder tocar ou sentir aquele sabor amargo na minha língua inexperiente de quem nunca atingirá a maioridade a tempo. a tempo de quê? a tempo de ti, de chegar a ti antes de estragar, de chegar até antes do prazo de validade expirar. mas expiramos não foi? eu congelei e tu foste embora, e expiramos por vontade tua, porque eu não era o teu padrão nem o teu ás. eu era só tua, e ser tua nunca te chegou. 

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